Religião, quando a celebração é mero ato de prazer.
Estive pensando na famosa frase
“a religião é o ópio do povo” (hoje dedicada a Marx, embora não seja a idéia
totalmente dele) – e pude entender um pouco a razão desta expressão ao olhar a
realidade da religião no mundo de hoje. Não é difícil escutar alguém repetir
esta frase mesmo tão distante de seu criador e muitas vezes sem nem saber o que
ele de fato queria dizer. Porém, sinto que querem comunicar a mesma coisa. Cabe
a pergunta: será a religião um entorpecente para o nosso povo? Se antes de
nossa geração, alguns pensadores já tinham razões para afirmar que a religião é
ópio, imaginemos se eles estivessem entre nós no mundo de hoje.
Religião é experiência de adesão
a um projeto e não uma curtição. Não é status, não deve ser moda, muito menos
estar num lugar que afaga meu ego ou mesmo, me faz sentir que estou bem.
Religião não é spar, religião não é instrumento de “guerra santa”, religião não
deve ser moeda de troca no mercado do desrespeito e da loucura da busca pelo
sentimentalismo.
Outro dia uma pessoa me chamou ao
canto e perguntou: por qual motivo a missa é um ritual que sempre acontece a
mesma coisa, e as respostas são iguais, tudo muito na hora marcada?
Tentei explicar, embora não tenha sido primeira vez que me perguntaram sobre isso.
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Pr. Luterano |
Antes do pentecostalismo no
Brasil, uma pergunta dessa certamente seria difícil de escutar, uma vez que a
experiência de evangelismo (protestantismo) no Brasil trouxe ainda a marca
católica no jeito de celebrar e de viver o mistério da Fé e até nas vestes
litúrgicas. São vestes adotadas pela litúrgica católica, o mesmo serve para o
ritual, para alguns sacramentos... Como também, as imagens de santos e de
Cristo nas Igrejas Protestantes, nada disso diminui as Igrejas irmãs, pelo
contrário, nos faz mais irmãos... Porém, é diferente o que acontece com a
chegada da experiência neo-pentecostal e pentecostal. Hoje em dia, com as
mídias mais populares e a presença de alguns seguimentos do pentecostalismo
católico, como a RCC, o modo pentecostal protestante de celebração invadiu de
vez a Igreja e afetou o modo de alguns padres celebrarem e conseqüentemente dos
fiéis.
Hoje, os fiéis podem escolher a
missa que quer “assistir”, inclusive se preferir, poderá ficar em casa,
acomodadamente e sem esforço nenhum, olhando para a sua televisão.
Podemos chamar isso de um grande
esforço de trazer as pessoas para Jesus, porém, a que preço?
Daí nasce a necessidade de muitos
fiéis, buscarem na Igreja Católica um culto que fale a sua linguagem hoje,
mesmo que beire a linguagem do nada,
ignorando a nossa história, sem perceber que estão caindo na armadilha dos
tempos atuais, tudo rápido e com muito prazer. O mistério fica fora, o silêncio
também. Querer comparar ou mudar nosso jeito de celebrar significa cair na
tentação de olhar para o jardim do vizinho e não perceber a beleza do seu. Já
temos tempo e experiência suficientes para saber que em nosso jardim temos a
flor bela e cheirosa que dá sentido a nossa caminhada de fé. A Eucaristia nos
alimenta e nos sustenta, ela quando cheia de silêncio e profundidade faz
acontecer o encontro entre a assembléia reunida, Corpo de Cristo e Jesus a
cabeça – o verdadeiro sacerdote.
Quando isso não acontece e
buscamos as modas e os excessos litúrgicos, estamos simplesmente nos enganando,
uma vez que, os fieis aparentam rezar e alguns ministros ordenados, aparentam presidir. Por isso o ato de buscar “assistir”
missas diferentes, em paróquias diferentes, comunidades diferentes, a partir do
gosto e da comodidade que esta ou aquela paróquia me oferece, ou mesmo, o
movimento x ou y, não é tão raro, pois querem uma celebração à própria medida. Transformar
a Eucaristia num "descarrego”, ou num “desafio de Deus” não seria
difícil, o difícil mesmo seria continuar celebrando a eucaristia, pois nessas
alturas, já não teríamos mais uma celebração eucarística, mas sim, uma grande
celebração ao nada e uma profanação do verdadeiro sentido do estar em
comunidade para Eucaristia = Ação de Graças – Memorial do Senhor. Tirar o foco
do que celebramos significa tirar a ação salvífica de Deus do centro e colocar a
nós mesmos... Nossos problemas e nossas fragilidades. Não podemos perder a
essência do sentido de estarmos juntos no entorno do altar e do ambão.
Precisamos mais que nunca desfazer-nos dos apetrechos e exageros litúrgicos e
buscarmos a essência daquilo que celebramos, com mais silêncio, mais mistério,
mais dignidade, mais qualidade e mais mística e muito mais abnegação para
deixar aparecer o que deve de fato aparecer
- Jesus é o Centro.
Acredito também que não seja o
momento de procurar culpados, mas sim, devemos saber observar as mudanças
culturais. Vivemos num mundo que cada dia mais não sabe lidar com o simbólico,
isso esvazia o sacramento, por isso, para muitos, tanto faz como tanto fez, o
que vale é sentir emoção e prazer quando ora. Isso fica claro quando passamos
em frente de algumas “igrejas” nas ruas das cidades, de modo especial na
periferia, basta algumas cadeiras de
PVC, umas flores de plástico, um púlpito, um som e um microfone... Faltam os
símbolos da fé, um lugar esvaziado de sentido e de mística - ali o interesse é
profundamente egocêntrico, ou seja, o desempenho do pregador, do cantor, do
tocador e de quem dança já se bastam. O altar não tem significado, o ambão é
lugar de arrecadação, o espaço é vazio de significado, por fim, quem fala mesmo
é o ser humano e sua própria natureza convidando sempre ao prazer.
Lamentavelmente encontramos uma
verdadeira turba que procura facilidades em nome da fé. Não percebem que esta
atitude é fruto do momento que vivemos, não percebem que hoje a cultura
pós-moderna globalizante se esforça em colocar tudo no mesmo patamar, tudo é
igual, tem o mesmo valor e sabor... o que importa é ser feliz. A cultua atual está nos
colocando uma armadilha, será ela mesma quem irá um dia nos puxar o
tapete, uma vez que não teremos mais símbolos, diferenças, características, e
viveremos mais que nunca a cultura do tanto faz. A diferença nos enriquece, não
somos obrigados a sermos iguais, podemos viver os mesmos ideais, mas não
podemos perder aquilo que é nossa identidade em nome da vontade do momento. Por isso, não podemos mais deixar que a religião
do descartável, fruto do pós-modernismo, dê as coordenadas e nos
entorpeça de modo alienante e destruidor. Afinal celebrar, crer em Deus como
Igreja e em Igreja é estar mergulhados naquilo que o que celebramos significa,
e não no que queremos que ele signifique... Celebrar é serviço - entrega - amor ao próximo... ação de Graças a Deus por nos ter dado Jesus Cristo.
Celebrar é mais que sentir
prazer, celebrar é viver o mistério pascal
memorial do Senhor, como Ele nos pediu. Estar
na igreja, ser seguidor de Jesus, implica também, fazer o possível para que a
nossa liturgia não se transforme num grande teatro que nos faz chorar e sorrir
de acordo com o teor da piada. Celebrar é adentrar no mistério daquilo que
celebramos é sermos transformados naquele que celebramos, é mais que uma música
doce e melodiosa para eu chorar, é bem mais que um estacionamento confortável
para meu carro, muito mais que um ar condicionado na Igreja, ou muito mais que
um estilo de Igreja e de Celebrar. A
casa de oração não deveria se converter no foco da procura e busca do cristão, mas
sim, num lugar de encontro com o sagrado e com a sua identidade mais profunda o Cristo. Pe. Laércio.sj