Crer é um ato profundamente característico do ser humano, eu
diria que é um dos atos que o caracterizam, afinal, animais irracionais não
crêem. Ultimamente tenho visto que a abertura do ser humano ao ato de crer equivocado
pode ser também, uma brecha para o ato de sofrer! Em breve creio que poderei
ter explicado bem esta afirmação.
O ato de crer não está relacionado apenas ao ato religioso,
uma vez que cremos, por exemplo, que no horário certo e combinado previamente o
metrô passará na estação X no horário Y, a não ser que algum incidente o
atrapalhe em seu percurso. Crer que o dia vai amanhecer, que o sol vai nascer,
que a lua aparecerá... Tudo isso implica o ato de crer. Mas, é do ato de crer
religiosamente que eu quero refletir – crer nunca foi tão perigoso! Mesmo que
relembremos das cruzadas, das fogueiras, das brigas teológicas antigas e
modernas, acredito que o ser humano nunca esteve correndo tanto risco como
antes... se olharmos para nossa realidade hoje e os conflitos existente até
hoje nos surpreenderemos, por exemplo vejamos o conflito de Darfur (conflito
armado no oeste do Sudão - com
características étnicos culturais e religiosas) a Organização Mundial de Saúde estima
um numero absurdo de 50 mil a 450 mil mortos... Vejamos outro número alarmante:
em todo o mundo são mortos 150 mil cristãos por ano, o que estão chamando de
“cristãofobia”. Olhando para nossa história podemos lembrar que entre os
próprios cristãos, muito sangue já se derramou. Um luterano chamado Benedict
Capzov (fanático) foi responsável por mais de 20 mil mortes de bruxas no século
XVII, sua tese estava embasada no antigo testamento que pede para que não
deixem viver as feiticeiras.
Na Alemanha, as posições de Lutero levaram à morte mais de 30 mil camponeses
anabatistas. Na história da Igreja Católica foi em 1231 que o Papa Gregório IX
lançou a bula Excommunicamus, através
dela era estabelecia a Santa Inquisição. Certamente são dados que nos colocam numa
situação complicada, uma vez que hoje, nos é inconcebível tais atitudes. Tudo
isso é de fato vergonhoso, porém o que dizer das formas de violências modernas
em pleno século XXI e em nome de Deus e da religião? É verdade a Inquisição
passou, porém, vemos outro tipo de morte e atrocidade acontecendo. O crente hoje
em pleno exercício de sua liberdade de poder pensar e viver livremente a sua fé
como direito legítimo concedido é usurpado e violentado de outro modo, pois se
vê enganado e manipulado por falsas experiências religiosas que tiram e arrancam
o senso crítico das pessoas, tornando-as simples objeto de manipulação e
controle responsável pela manutenção da indústria religiosa presente hoje em
quase todo o mundo.
A religião equivocada faz uso do ato de crer de vários e
milhares de seus fiéis, controlando e manipulando suas ações, interferindo em
suas vidas, e lavando suas mentes e seus corações. Vejamos o que acontece aqui
no Brasil, qualquer sala de esquina de rua vira “igreja” com a pretensão de enviar ao céu o seu
rebanho, mesmo que seja este apenas sua família e seus amigos mais próximos,
que visitam sua antiga mercearia ou bar, agora transmutada em igreja.
A violência é grande, certo dia, lá na Cochinchina, chegou uma senhora decepcionada pelo fato de
ter pedido emprestado ao seu “pastor” dinheiro para pagar em duas parcelas, uma
quantia de 600 reais destinada a quitar
o aluguel de sua casa. Obvio o pastor não a emprestou e isso foi a causa de sua
frustração, pois certa época ela já havia “socorrido” a sua igreja com a
poupança que possuía guardada, o pastor a desafiou a ser generosa para que
pudesse receber mais de Deus. Assim ela
fez. Hoje, desempregada e sem poupança, ela segue sofrendo. A população é
vitima do “sagrado” as pessoas são simples e se confiam entregando tudo que possuem,
no desejo de ver a vontade de Deus acontecendo em suas vidas. A dor é grande, o sofrimento é intenso, a
cegueira é grande. Não podemos generalizar os fatos narrados, porém, precisamos
tomar consciência que há uma nova ordem em meio ao religioso pós-moderno que
suporta estas posturas e posicionamentos, O FANATISMO – o grande inimigo da religião. O fanatismo ensoberbece
e cega, envaidece, massacra a liberdade e não se abre ao diálogo com o
diferente. Tudo isso em nome de Deus e da religião. A experiência de crer,
neste sentido, quando mal administrada, cria mais dificuldade para a
aproximação do e com o sagrado. A
imagem de Deus fica condicionada ao bom humor do ser humano... falta a lucidez
e a lealdade, a sinceridade, a verdade.
Por isso, nunca deveremos abrir nossa boca e dizer que, o
que vale é buscar a Deus, ou que tudo é igual e Deus é o mesmo... Dizer isso pode até parecer pós-moderno e bonito,
porém não é verdadeiro. O racionalismo e o fundamentalismo, são atitudes que mesmo sendo tão antagônicas parecem
irmãs uma vez que o racionalismo se fecha na experiência empírica e o fideista,
se segura na fé, no subjetivo, abrindo mão da razão. Com certeza esta não é a
nossa postura, nem a Igreja incentiva esta atitude fechada e descabida na atual
conjuntura eclesial e social. Dialogar é a palavra chave para resolver qualquer
dor e até mesmo, para mudar a concepção de Deus e de mundo. Só assim, poderemos
ser mais cristãos, mais fiéis, mais fortes... e deslocaremos do centro da
religião de hoje a competitividade e a tentadora postura de escolher a sua
religião de um modo “a la carte” e
muitas vezes desleal.
Por isso, renovar a fé, professar a fé constantemente e em
comunidade nos transforma em homens e mulheres capazes de entrar num grupo, de conviver
em fraternidade e de dialogar -
partilhar experiências sem querer queimá-los, desmerecê-los ou mesmo
condená-los ao inferno dos loucos... Aquele em que estão lá apenas os que discordam
de meus pensamentos.
Crer ainda é
possível sem ser manipulado?
Certamente que sim, principalmente quem não tem medo do novo,
do desconhecido, do questionamento, da pesquisa, do estudo, da oração sincera.
Crer religiosamente será possível e bem melhor, quando
descobrirmos que somos o que somos pelo fato de podermos nos reconhecer em nós,
e nEle o “totalmente Outro”, não como alguém intrinsecamente separado do
humano, mas pelo contrário, aquele que se revela o Outro, no outro que está ao
meu lado, neste mundo. Um Outro acessível e possível de “tocar”. Porém, este
Outro não poderá ser visto como o que manipula ou é manipulável, o que me tira
a liberdade e sentido da existência, pelo contrário, Ele quem me cede a
capacidade de crer e de não crer, sou livre.
Ele quem se revela ... a ação é
dele.
Crer na e em liberdade (o que é diferente do individualismo
religioso) é possível, acreditar que somos filhos e filhas livres é possível...
O melhor mesmo seria que não
precisássemos da religião para aplacar nossa dor, para livrarmos do demônio e
para nos garantir seguranças neste mundo, mas sim para nos conduzir a Deus
pelos caminhos da verdade que é o próprio Cristo. Se não for desse modo, a religião
dói e faz doer - o fanatismo impede a
liberdade e mata - aqui está a dor do
ato de crer de um modo equivocado, a dor da religião equivocada que nos priva
da verdadeira religião que é o amor e a justiça.
Pe. Laércio.sj
Pe. Laércio.sj
com certeza temos que viver hoje e mais que nunca uma Fé, e como fala minha querida professora Sylvia Leão,: A FÉ É RACIONAL. Daí devemos responder por nós mesmo a essas questões: O QUE FIZ, O QUE FAÇO E O QUE FAREI POR CRISTO? E qual o Cristo que sigo? o Cristo que invade o templo expulsando os vendedores dali falando que sua casa era de oração e não de comércio, o Cristo que cura, que alimenta, que ensina?...Fragmentam-se Cristo para justificar um pensamento, interesses particulares, lembrando que o todo é formando de partes e que cada parte é importante para conseguimos compreender a universalidade que é Cristo.
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