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sexta-feira, 18 de novembro de 2011

"A vulgaridade faz parte da vida do ser humano!"

Dizer “A vulgaridade faz parte da vida do ser humano” é uma forma de nos fazer ver o caminho que o ser humano tomou. O caminho da loucura e insensatez - caminho quase sem volta.
Olhar para o ser humano é olhar para uma obra prima, cuja construção ainda está em curso.
Porém, a sensação que às vezes tenho é que o humano ao reconhecer-se humano, entra automaticamente num processo autodestrutivo, para não dizer suicida, simplesmente para desafiar a ele mesmo. Ou seja, sou ser humano, por isso, sou ser destrutivo – quero me destruir em nome da aventura de poder da autodestruição como um lazer banal (mesmo que por vezes inconsciente).
A emoção da autodestruição disfarçada e maquiada em pós-modernidade e liberdade ameaça de extinção o senso crítico do homem e da mulher. Claro que não podemos generalizar. Mas também, não isentemos a muitos não, pois, o ser humano está sim, como diria meu avô, de ladeira a baixo.
Às vezes umas atitudes da sociedade, atitudes corriqueiras, revelam a verdadeira face do ser humano, ou do que ele está se tornando.
A capacidade que tem o humano em muitas vezes se alegrar com o mal, com a violência gritante que nos afeta. A alienação e sensação da juventude vitimada por uma sociedade cansada de ser fiel, digna, correta, revelam o nível de degradação que entrou o ser humano.
Estamos no momento do desmando, ninguém pode, nem deve mandar em ninguém, a sociedade não suporta o fato de ter que obedecer, ou ficar abaixo das ordens de alguém, por isso mesmo, as instituições, taxadas de retrogradas e rígidas, já estão em crise, como por exemplo, a religião e a família. A religião: vive seu momento de mercado uma vez que a moda é preferir a mais light e mais adaptada ao sabor do cliente... Com a família não é diferente, pois vive sua crise desde muito tempo – inversão dos papeis, novo modo de ser família (novas famílias). Em ambas, obedecer não é a palavra mais forte, não é mesmo. O que vale é arriscar, fazer o que vier na telha - ser “insano” - não medir as conseqüências.  A palavra obedecer fere os ouvidos de uma sociedade fundamentada na falsa sensação do “Yes, we cam” ou “Si, se puede”.
Em nome da falsa sensação de realização e de felicidade confundida com o prazer,  parece-me que chegou a hora da verdadeira “Tirania do prazer” (Jean-Claude Guillebaud) – todos estamos submissos ao prazer, independente da fonte dele.
No âmbito sexual, passagem da liberdade ou revolução sexual para a “algazarra sexual” ou o “vale tudo” sem o mínimo respeito por nenhum parâmetro ético ou religioso.  Vale inclusive, perder todo pudor, perder a capacidade de desconfiar de quando se está sendo ridículo em nome do vulgar. O sexo hoje dá as cartas, esta tirania que acontece hoje na vida das pessoas faz agonizar no humano a dignidade e os valores, aqueles que nossos antepassados levaram com sigo para o túmulo. Com isso, não faço apologia ao saudosismo, pelo contrário, porém, também não incentivo a irresponsabilidade.  
A força irredutível dos tiranos de hoje, nada dissimulada, diga-se de passagem, escraviza e mata violentamente a nossa geração que depois do deleite nas ondas do prazer oferecidas pelo lazer despudorado e descomprometido com o outro, deixa em cada uma de suas vítimas um gostinho de quero mais. Porém, são elas incapazes de perceber que na verdade é esta a escravidão atual que cega, mata e rouba nossa alma de modo disfarçado e alienado.  A banalidade virou sinônimo de prazer e libertinagem, beiramos o fim da sensatez e da lucidez, incrível que não falta quem comemore este momento tão desejado e esperado por muitos.  


Será que este caminho escolhido pelo ser humano é um caminho sem volta? Alguns sinais dessa derrocada já enxergamos: o fanatismo – a intolerância – o proselitismo religioso e secular no âmbito das idéias e ideologias – a avidez por mais dinheiro e menos ética = corrupção... a instrumentalização das ciências em nome da ganância e do sonho dourado de “ser como Deus”, a promiscuidade invadindo nossa vida como um vento fresco de final de tarde colorido por um belo por do sol. Será este pro do sol a descida da humanidade à sua noite escura? 
Pe. Laércio.sj


quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Religião, quando a celebração é mero ato de prazer.


Religião, quando a celebração é mero ato de prazer.

Estive pensando na famosa frase “a religião é o ópio do povo” (hoje dedicada a Marx, embora não seja a idéia totalmente dele) – e pude entender um pouco a razão desta expressão ao olhar a realidade da religião no mundo de hoje. Não é difícil escutar alguém repetir esta frase mesmo tão distante de seu criador e muitas vezes sem nem saber o que ele de fato queria dizer. Porém, sinto que querem comunicar a mesma coisa. Cabe a pergunta: será a religião um entorpecente para o nosso povo? Se antes de nossa geração, alguns pensadores já tinham razões para afirmar que a religião é ópio, imaginemos se eles estivessem entre nós no mundo de hoje.

Religião é experiência de adesão a um projeto e não uma curtição. Não é status, não deve ser moda, muito menos estar num lugar que afaga meu ego ou mesmo, me faz sentir que estou bem. Religião não é spar, religião não é instrumento de “guerra santa”, religião não deve ser moeda de troca no mercado do desrespeito e da loucura da busca pelo sentimentalismo.
Outro dia uma pessoa me chamou ao canto e perguntou: por qual motivo a missa é um ritual que sempre acontece a mesma coisa, e as respostas são iguais, tudo muito na hora marcada?
Tentei explicar, embora não tenha sido primeira vez que me perguntaram sobre isso.
Pr. Luterano
Antes do pentecostalismo no Brasil, uma pergunta dessa certamente seria difícil de escutar, uma vez que a experiência de evangelismo (protestantismo) no Brasil trouxe ainda a marca católica no jeito de celebrar e de viver o mistério da Fé e até nas vestes litúrgicas.  São vestes adotadas pela litúrgica católica, o mesmo serve para o ritual, para alguns sacramentos... Como também, as imagens de santos e de Cristo nas Igrejas Protestantes, nada disso diminui as Igrejas irmãs, pelo contrário, nos faz mais irmãos... Porém, é diferente o que acontece com a chegada da experiência neo-pentecostal e pentecostal. Hoje em dia, com as mídias mais populares e a presença de alguns seguimentos do pentecostalismo católico, como a RCC, o modo pentecostal protestante de celebração invadiu de vez a Igreja e afetou o modo de alguns padres celebrarem e conseqüentemente dos fiéis.
Hoje, os fiéis podem escolher a missa que quer “assistir”, inclusive se preferir, poderá ficar em casa, acomodadamente e sem esforço nenhum, olhando para a sua televisão.
Podemos chamar isso de um grande esforço de trazer as pessoas para Jesus, porém, a que preço?
Daí nasce a necessidade de muitos fiéis, buscarem na Igreja Católica um culto que fale a sua linguagem hoje, mesmo que beire a  linguagem do nada, ignorando a nossa história, sem perceber que estão caindo na armadilha dos tempos atuais, tudo rápido e com muito prazer. O mistério fica fora, o silêncio também. Querer comparar ou mudar nosso jeito de celebrar significa cair na tentação de olhar para o jardim do vizinho e não perceber a beleza do seu. Já temos tempo e experiência suficientes para saber que em nosso jardim temos a flor bela e cheirosa que dá sentido a nossa caminhada de fé. A Eucaristia nos alimenta e nos sustenta, ela quando cheia de silêncio e profundidade faz acontecer o encontro entre a assembléia reunida, Corpo de Cristo e Jesus a cabeça – o verdadeiro sacerdote.
Quando isso não acontece e buscamos as modas e os excessos litúrgicos, estamos simplesmente nos enganando, uma vez que, os fieis aparentam rezar e alguns ministros ordenados, aparentam presidir.  Por isso o ato de buscar “assistir” missas diferentes, em paróquias diferentes, comunidades diferentes, a partir do gosto e da comodidade que esta ou aquela paróquia me oferece, ou mesmo, o movimento x ou y, não é tão raro, pois querem uma celebração à própria medida. Transformar a Eucaristia num "descarrego”, ou num “desafio de Deus” não seria difícil, o difícil mesmo seria continuar celebrando a eucaristia, pois nessas alturas, já não teríamos mais uma celebração eucarística, mas sim, uma grande celebração ao nada e uma profanação do verdadeiro sentido do estar em comunidade para Eucaristia = Ação de Graças – Memorial do Senhor. Tirar o foco do que celebramos significa tirar a ação salvífica de Deus do centro e colocar a nós mesmos... Nossos problemas e nossas fragilidades. Não podemos perder a essência do sentido de estarmos juntos no entorno do altar e do ambão. Precisamos mais que nunca desfazer-nos dos apetrechos e exageros litúrgicos e buscarmos a essência daquilo que celebramos, com mais silêncio, mais mistério, mais dignidade, mais qualidade e mais mística e muito mais abnegação para deixar aparecer o que deve de fato aparecer  -  Jesus é o Centro.
Acredito também que não seja o momento de procurar culpados, mas sim, devemos saber observar as mudanças culturais. Vivemos num mundo que cada dia mais não sabe lidar com o simbólico, isso esvazia o sacramento, por isso, para muitos, tanto faz como tanto fez, o que vale é sentir emoção e prazer quando ora. Isso fica claro quando passamos em frente de algumas “igrejas” nas ruas das cidades, de modo especial na periferia,  basta algumas cadeiras de PVC, umas flores de plástico, um púlpito, um som e um microfone... Faltam os símbolos da fé, um lugar esvaziado de sentido e de mística - ali o interesse é profundamente egocêntrico, ou seja, o desempenho do pregador, do cantor, do tocador e de quem dança já se bastam. O altar não tem significado, o ambão é lugar de arrecadação, o espaço é vazio de significado, por fim, quem fala mesmo é o ser humano e sua própria natureza convidando sempre ao prazer. 
Lamentavelmente encontramos uma verdadeira turba que procura facilidades em nome da fé. Não percebem que esta atitude é fruto do momento que vivemos, não percebem que hoje a cultura pós-moderna globalizante se esforça em colocar tudo no mesmo patamar, tudo é igual, tem o mesmo valor e sabor... o que importa é ser feliz. A cultua atual está nos colocando uma armadilha, será ela mesma quem irá um dia nos puxar o tapete, uma vez que não teremos mais símbolos, diferenças, características, e viveremos mais que nunca a cultura do tanto faz. A diferença nos enriquece, não somos obrigados a sermos iguais, podemos viver os mesmos ideais, mas não podemos perder aquilo que é nossa identidade em nome da vontade do momento.  Por isso, não podemos mais deixar que a religião do descartável, fruto do pós-modernismo, dê as coordenadas e nos entorpeça de modo alienante e destruidor. Afinal celebrar, crer em Deus como Igreja e em Igreja é estar mergulhados naquilo que o que celebramos significa, e não no que queremos que ele signifique... Celebrar é serviço - entrega - amor ao próximo... ação de Graças a Deus por nos ter dado Jesus Cristo.
Celebrar é mais que sentir prazer, celebrar é viver o mistério pascal 
 memorial do Senhor, como Ele nos pediu. Estar na igreja, ser seguidor de Jesus, implica também, fazer o possível para que a nossa liturgia não se transforme num grande teatro que nos faz chorar e sorrir de acordo com o teor da piada. Celebrar é adentrar no mistério daquilo que celebramos é sermos transformados naquele que celebramos, é mais que uma música doce e melodiosa para eu chorar, é bem mais que um estacionamento confortável para meu carro, muito mais que um ar condicionado na Igreja, ou muito mais que um estilo de Igreja e de Celebrar.  A casa de oração não deveria se converter no foco da procura e busca do cristão, mas sim, num lugar de encontro com o sagrado e com a sua identidade mais profunda o Cristo.  Pe. Laércio.sj

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

A dor da Religião Equivocada


Crer é um ato profundamente característico do ser humano, eu diria que é um dos atos que o caracterizam, afinal, animais irracionais não crêem. Ultimamente tenho visto que a abertura do ser humano ao ato de crer equivocado pode ser também, uma brecha para o ato de sofrer! Em breve creio que poderei ter explicado bem esta afirmação.
O ato de crer não está relacionado apenas ao ato religioso, uma vez que cremos, por exemplo, que no horário certo e combinado previamente o metrô passará na estação X no horário Y, a não ser que algum incidente o atrapalhe em seu percurso. Crer que o dia vai amanhecer, que o sol vai nascer, que a lua aparecerá... Tudo isso implica o ato de crer. Mas, é do ato de crer religiosamente que eu quero refletir – crer nunca foi tão perigoso! Mesmo que relembremos das cruzadas, das fogueiras, das brigas teológicas antigas e modernas, acredito que o ser humano nunca esteve correndo tanto risco como antes... se olharmos para nossa realidade hoje e os conflitos existente até hoje nos surpreenderemos, por exemplo vejamos o conflito de Darfur (conflito armado no oeste do Sudão -  com características étnicos culturais e religiosas) a Organização Mundial de Saúde estima um numero absurdo de 50 mil a 450 mil mortos... Vejamos outro número alarmante: em todo o mundo são mortos 150 mil cristãos por ano, o que estão chamando de “cristãofobia”. Olhando para nossa história podemos lembrar que entre os próprios cristãos, muito sangue já se derramou. Um luterano chamado Benedict Capzov (fanático) foi responsável por mais de 20 mil mortes de bruxas no século XVII, sua tese estava embasada no antigo testamento que pede para que não deixem viver as feiticeiras.

 Na Alemanha, as posições de Lutero levaram à morte mais de 30 mil camponeses anabatistas. Na história da Igreja Católica foi em 1231 que o Papa Gregório IX lançou a bula Excommunicamus, através dela era estabelecia a Santa Inquisição.  Certamente são dados que nos colocam numa situação complicada, uma vez que hoje, nos é inconcebível tais atitudes. Tudo isso é de fato vergonhoso, porém o que dizer das formas de violências modernas em pleno século XXI e em nome de Deus e da religião? É verdade a Inquisição passou, porém, vemos outro tipo de morte e atrocidade acontecendo. O crente hoje em pleno exercício de sua liberdade de poder pensar e viver livremente a sua fé como direito legítimo concedido é usurpado e violentado de outro modo, pois se vê enganado e manipulado por falsas experiências religiosas que tiram e arrancam o senso crítico das pessoas, tornando-as simples objeto de manipulação e controle responsável pela manutenção da indústria religiosa presente hoje em quase todo o mundo.
A religião equivocada faz uso do ato de crer de vários e milhares de seus fiéis, controlando e manipulando suas ações, interferindo em suas vidas, e lavando suas mentes e seus corações. Vejamos o que acontece aqui no Brasil, qualquer sala de esquina de rua vira “igreja”  com a pretensão de enviar ao céu o seu rebanho, mesmo que seja este apenas sua família e seus amigos mais próximos, que visitam sua antiga mercearia ou bar, agora transmutada em igreja.
A violência é grande, certo dia, lá na Cochinchina,  chegou uma senhora decepcionada pelo fato de ter pedido emprestado ao seu “pastor” dinheiro para pagar em duas parcelas, uma quantia de 600 reais  destinada a quitar o aluguel de sua casa. Obvio o pastor não a emprestou e isso foi a causa de sua frustração, pois certa época ela já havia “socorrido” a sua igreja com a poupança que possuía guardada, o pastor a desafiou a ser generosa para que pudesse receber mais de Deus.  Assim ela fez. Hoje, desempregada e sem poupança, ela segue sofrendo. A população é vitima do “sagrado” as pessoas são simples e se confiam entregando tudo que possuem, no desejo de ver a vontade de Deus acontecendo em suas vidas.  A dor é grande, o sofrimento é intenso, a cegueira é grande. Não podemos generalizar os fatos narrados, porém, precisamos tomar consciência que há uma nova ordem em meio ao religioso pós-moderno que suporta estas posturas e posicionamentos, O FANATISMO –  o grande inimigo da religião. O fanatismo ensoberbece e cega, envaidece, massacra a liberdade e não se abre ao diálogo com o diferente. Tudo isso em nome de Deus e da religião. A experiência de crer, neste sentido, quando mal administrada, cria mais dificuldade para a aproximação do e com o sagrado.   A imagem de Deus fica condicionada ao bom humor do ser humano... falta a lucidez e a lealdade, a sinceridade, a verdade.
Por isso, nunca deveremos abrir nossa boca e dizer que, o que vale é buscar a Deus, ou que tudo é igual e Deus é o mesmo... Dizer isso pode até parecer pós-moderno e bonito, porém não é verdadeiro. O racionalismo e o fundamentalismo,  são atitudes que mesmo sendo tão antagônicas parecem irmãs uma vez que o racionalismo se fecha na experiência empírica e o fideista, se segura na fé, no subjetivo, abrindo mão da razão. Com certeza esta não é a nossa postura, nem a Igreja incentiva esta atitude fechada e descabida na atual conjuntura eclesial e social. Dialogar é a palavra chave para resolver qualquer dor e até mesmo, para mudar a concepção de Deus e de mundo. Só assim, poderemos ser mais cristãos, mais fiéis, mais fortes... e deslocaremos do centro da religião de hoje a competitividade e a tentadora postura de escolher a sua religião de um modo “a la carte” e  muitas vezes desleal.
Por isso, renovar a fé, professar a fé constantemente e em comunidade nos transforma em homens e mulheres capazes de entrar num grupo, de conviver em fraternidade e de dialogar -  partilhar experiências sem querer queimá-los, desmerecê-los ou mesmo condená-los ao inferno dos loucos... Aquele em que estão lá apenas os que discordam de meus pensamentos.  

Crer ainda é possível sem ser manipulado?

Certamente que sim, principalmente quem não tem medo do novo, do desconhecido, do questionamento, da pesquisa, do estudo, da oração sincera.  
Crer religiosamente será possível e bem melhor, quando descobrirmos que somos o que somos pelo fato de podermos nos reconhecer em nós, e nEle o “totalmente Outro”, não como alguém intrinsecamente separado do humano, mas pelo contrário, aquele que se revela o Outro, no outro que está ao meu lado, neste mundo. Um Outro acessível e possível de “tocar”. Porém, este Outro não poderá ser visto como o que manipula ou é manipulável, o que me tira a liberdade e sentido da existência, pelo contrário, Ele quem me cede a capacidade de crer e de não crer, sou livre.   Ele quem se revela ... a ação é dele.
Crer na e em liberdade (o que é diferente do individualismo religioso) é possível, acreditar que somos filhos e filhas livres é possível...  O melhor mesmo seria que não precisássemos da religião para aplacar nossa dor, para livrarmos do demônio e para nos garantir seguranças neste mundo, mas sim para nos conduzir a Deus pelos caminhos da verdade que é o próprio Cristo. Se não for desse modo, a religião dói e faz doer -  o fanatismo impede a liberdade e mata -  aqui está a dor do ato de crer de um modo equivocado, a dor da religião equivocada que nos priva da verdadeira religião que é o amor e a justiça.
 Pe. Laércio.sj


quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Viver pra mim é Cristo, morrer é lucro - Fl 1,21.


Quem está morto ou quem está vivo? A quem pertence este mundo?
Morrer pra mim é lucro (Fl 1,21)! São Paulo sabia o que dizia, ele percebeu o sentido verdadeiro da vida e por isso, “pediu” para morrer, pois sabia o que significava viver num mundo de mortos.
Hoje, qual seria a nossa afirmação? O que significa para nós viver e morrer?
Lembro do livro “Incidente em Antares” de Érico Veríssimo em que diante da morte de sete pessoas da mesma família e da impossibilidade de seu sepultamento, pois os coveiros estavam em greve, os mortos revivem e começam a atormentar os seus familiares e amigos, revelando a podridão em que viviam... como também da sociedade... o livro é incrível e forte... Sinto até o cheiro daqueles mortos pelas ruas de Campolargo... lembro ainda a imagem dos mortos no coreto da cidade... Homens e mulheres mortos caminhando apodrecendo indo ao encontro dos “vivos”...
Hoje no dia em que nos lembramos dos mortos, precisamos olhar para os vivos e a qualidade de vida que estão tendo. Que odor os vivos de hoje irradiam, o que fazem de suas vidas? Quais são as suas opções? Só assim, teremos condições de avaliar se de fato quem vemos e enxergamos nas ruas ou dentro de nossas casas estão mesmo vivos ou mortos-vivos. Imaginemos que nossos mortos fossem voltar hoje, o que precisaríamos mudar, antes que eles nos atormentassem? Calma, o livro é ficção.
Olhando as lágrimas e as dores daqueles que perderam seus entes queridos e que hoje elevam uma prece junto a eles, nos faz buscar dentro de nós o verdadeiro sentido de nossas vidas. Pois, um dia seremos nós quem iremos para junto de Deus. Morreremos, será que este morrer será para nós um lucro? Será que estamos dispostos a encarar a morte? Por qual motivo temos tanto medo de morrer? Será que viver nos traz de verdade um ganho maior que morrer?
Com a morte, mais que nunca nos colocamos em Deus. Mergulhamos no mistério que nos criou e que nos sustentou todos estes anos. Não devemos temer a morte, mas sim, a qualidade e a circunstância dela. Se temos medo da morte, é pelo fato de querermos bem à vida. Porém, não é isso que vemos não. A vida é algo banal, virou produto de troca, abuso, mercado, descartável... Homens e mulheres optam pela morte ainda em vida. Esta morte que falo é auto-destruição dos seus valores, dos costumes,  tudo isso em nome do prazer fácil, do gozar inconseqüentemente, do querer agora e do jeito que eu quero em detrimento do outro.
De fato, ter coragem de pedir a morte deste mundo é querer e acreditar que a verdadeira vida não está aqui e agora, não é algo que possamos tocar, reter, mas optar por ela, escolher.  A verdadeira vida nos é dada na cruz, na morte para este mundo, nela Jesus nos dá o exemplo maior quando nos mostra como deve ser o final da prepotência, da ganância, da lei pela lei... da exclusão que mata e humilha tantos homens e mulheres... Pois na cruz, Jesus nos revelou o sentido de morrer para este mundo e do fiar a vida apenas em Deus, com isso, ter a coragem de dizer como disse o Senhor, “Pai, em tuas mãos entrego o meu Espírito”. Que possamos hoje, corajosamente fazer uma prece a Deus, e dizer a Ele o verdadeiro sentido de nossa opção que é morrer e viver nEle e ao “encontrarmos” os mortos andando pelo mundo, não tenhamos medo não, podem ser apenas os reflexos de nossas ações, aquelas que precisamos mudar, rever...
Só terá sentido chorar pelos que se foram, sentir saudade dos que partiram se tivermos a coragem de rever a nossa prática de vida, a nossa relação com este mundo morto-vivo.

Só terá sentido a lágrima se olharmos para a possibilidade de nossa morte eminente e assim, concluirmos que muito precisamos mudar e até mesmo morrer, para que de verdade tenhamos um encontro com a Vida e descubramos que viver pra cada um de nós é Cristo (Fl 1,21).